quarta-feira, 17 de agosto de 2011

a casa de Curzio Malaparte


Casa Malaparte, Punta Massullo, Capri, Itália

Já toda a gente ouviu falar de Curzio Malaparte, um escritor italiano vagamente conotado com o fascismo italiano. Mas poucos ou nenhuns se lembram de algum dos seus livros e duvido que haja aqui alguém que o tenha lido. De todo o modo, é irrelevante para o que aqui me traz. Curzio escreveu duas obras famosas que é o Kaputt e A Pele. Adiante, que o que interessa é a Casa. A casa Come Me. A Casa Como Eu. É que pela casa já o Curzio é conhecido. Quem é que desconhece por completo a casita das figuras? Fica num promontório rochoso da ilha de Capri (sim, a mesma do Imperador Tibério e do sueco Axel Munthe, e voltaremos lá pela mão deles) e vale a pena seguir-lhe os tijolos. Pela mão de terceiros, aqui vai:

Bruce Chatwin, no Anatomia da Errância: “Curzio Malaparte foi um escritor muito estranho e a sua villa, que ele construiu nos anos 1938-40, no solitário promontório do Capo Massullo, é uma das habitações mais estranhas do mundo ocidental. Um navio “homérico” encalhado? Um altar moderno a Poseidon? Uma casa do futuro - ou do passado pré-histórico? Uma casa surrealista? Uma casa fascista? Ou um refúgio “tiberiano” de um mundo enlouqecido? É a casa do dandy e folião profissional, o Arcitaliano, como era conhecido pelos amigos - ou do melancólico romântico alemão que jaz sob a aparência, mascarado? A casa “pura” de um asceta? Ou o teatro inquieto e privado de um insaciável Casanova? O que sabemos é que Malaparte pediu ao arquitecto, Adalberto Libera, que lhe construísse uma “casa come me”, tão “triste, dura e severa” como ele próprio julgava ser. No seu bloco de notas, em grandes letras negras escrevera um cabeçalho: CASA COME ME - e, na verdade, até ao mais pequeno pormenor burguês, a casa é uma biografia do seu proprietário.”



“A Casa Come Me, com vista magnífica de mar, céu e rochas, destinava-se a satisfazer o seu “melancólico desejo de espaço” e a reproduzir ao mesmo tempo, no seu modo próprio e grandioso, as condições do exílio de Lipari. Seria o abrigo-mosteiro do homem que, sozinho, fizera frente aos ditadores - uma casamatta, um “fortim”, ou “hospício”, conforme a leitura que fizermos daquela palavra italiana; uma casa da era da máquina, que no entanto iria preservar os valores mais antigos do Mediterrâneo. E ao contrário dos tempos “apolíneos” da Grécia clássica, com as suas florestas de colunas e “telhados colocados a partir de cima”, o edifício - como um santuário minóico - erguer-se-ia do próprio mar.”



“As paredes eram cor de sangue de touro, as janelas como as janelas de um vapor, e havia uma rampa de degraus em forma de cunha, que subiam oblíquos como uma via sacra, até ao terraço do telhado. Era aí que, todas as manhãs Malaparte cumpria um ritual de ginástica, sozinho, enquanto as mulheres apaixonadas por ele ficavam a vê-lo lá do alto, dos penhascos.”



“Aí escreveu Kaputt que terminou em 1943. Durante a II guerra voltou a envergar o uniforme fascista e participou na invasão da Grécia, e foi depois repórter de guerra de simpatias fascistas na frente russa e na polónia. Finda a guerra foi perseguido por colaboracionista e refugiou-se em França e viajou depois pela União Soviética e pela China onde morreu de cancro do pulmão.”

“No seu testamento deixou a Casa Come Me para ser usada por artistas provenientes da República Popular da China em vingança contra as gentes de Capri que o perseguiram no fim a guerra. A família contestou e ganhou e hoje a casa faz parte do património de uma obscura fundação familiar dedicada à arte.” Um escritor conhecido pela Casa.

via Tapornumporco

2 comentários:

  1. Muito interesante, uma casa sonhada mesmo! Pensei que vôce iba a falar do filme do GODARD con Belmomndo Bardot "Le mépris" o desprezo?? onde essa casa tem casi um papel protagonico! obrigado!

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  2. Pequena correcção, o "Le Mépris" é com o Picolli e não com o Belmondo. É talvez o filme que eu mais gosto do Godard e um dia destes falarei dele aqui. Obrigado pela visita Sebastien.

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